O QUANTO BASTE DE SAL
Tem um dito popular que sempre uso quando estou trabalhando que é “café pra louco não se põe muito açúcar”. Sempre que acho que um diretor de arte está “enfeitando demais” um leiaute tasco ele. Entenda-se. Na gramática crua da palavra escrita, imagino que o sentido do adágio é o de fazer um alerta: dependendo do seu público, é de bom-senso manter a coisa num patamar mediano, sem excessos. No fundo, o perspicaz autor defendia a tese de que é necessário não destoar muito de um padrão, de uma média, ou até mesmo estava querendo dizer que dependendo do receptor “não vale a pena investir demais, porque se você for além do tradicional e ultrapassar a linha da normalidade você vai se incomodar”. A frase é perfeita neste sentido. Como frasista que sou, coleciono boas expressões. Acontece que outro dia procurando uma receita de camarão na internet me deparei com várias delas que - lá pelas tantas - recomendavam “quanto baste de sal” ou “quanto baste de pimenta”.
Foi paixão à primeira lida. Me encantei com esta expressão pelo tanto que traz de imprecisão sem contudo abdicar de opinar de modo claro quanto à necessidade de bom-senso, em especial, em uma ciência não-exata como é a cozinha.
Aí fiquei pensando: que espetáculo poder dizer para um diretor de arte, que estivesse criando – por exemplo - um catálogo de moda, “coloque o que baste de estilo pessoal”.
Lembrei do tempo em que se defendia que o bom diretor de arte deveria começar por não ter estilo. Que quem necessariamente deveria ter estilo era o cliente, o anunciante, a marca. Que a boa direção de arte deveria ser eclética o suficiente para dar a cada cliente um estilo próprio e saber respeitá-lo. Como um cozinheiro que escolhe para cada alimento as especiarias que melhor lhe ressaltem o sabor e características. Aliás, até hoje as agências se gabam de saber criar uma personalidade para as marcas e ao longo do tempo ir estruturando esta identidade. Aos diretores de arte caberia – nesta linha de pensamento - trabalhar neste sentido, com um mínimo de estilo pessoal perceptivo, pois o que deve sobrevir é o “estilo do cliente”. Mas hoje, na prática, não é nada disso. Nem perto. Cada novo layout é uma oportunidade de melhorar o portifólio pessoal do criativo. Há “pastas” (entre aspas mesmo, porque os portifólios estão ou no Carbonmade ou num PDF anexo) onde se percebe exatamente isso: peças lindas. Todas denunciando precisamente o jeitão indisfarçável do DA. Não se percebe diferenças de públicos alvo, diferentes posicionamentos de marca, diferenças das mídias, diferentes épocas e nem mesmo diferentes clientes, enfim o que salta aos olhos é um estilo único: o do autor. Jamais o do cliente. Afinal - quem pode condenar? - um portifólio precisa ter um a certa unidade. É uma pena que as receitas de bons diretores de arte optaram pelo sal a gosto nos layouts. Até me deu vontade de explorar um pouco mais esse assunto, ir mais afundo, explicar a importância do comedimento no uso do estilo pessoal, falar em como um varejo precisa ser diferente do outro e que ambos - apesar disso - terão semelhanças entre si que diferenciarão seus leiautes dos leiautes da indústria de moda e por sua vez da indústria de cosméticos e assim por diante, mas alguém me gritou lá da criação “Henrique, deixa assim! Café pra louco não se põe muito açúcar!”. Aí fiquei por aqui mesmo.
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