quinta-feira, 26 de maio de 2011

MERAMENTE ILUSTRATIVA


Você consegue entender a profundidade? Consegue alcançar a profunda leviandade daquela frasezinha em corpo 6 nos cantos ou nos rodapés dos anúncios: “foto meramente ilustrativa”? Eu me pergunto: pra que serve esta advertência? Responda sem pestanejar: você conhece alguma foto que não seja ilustrativa? Existe uma foto que não seja uma figura, que não ilustre algo? Você vê a necessidade de alertar qualquer coisa com esta pouca ênfase (letras microscópicas nos cantinhos) e esta redundância? Ora, ilustrar é uma característica inerente a qualquer imagem.
Vou ilustrar melhor o meu estranhamento, imagine se alguém colocasse em uma embalagem de lâmpada: “esta luz meramente ilumina”. Pergunto: é pouca coisa iluminar? Como pode alguém definir como “mera” a coisa que explica – em última instância – o que a coisa faz de melhor. "Esta água é meramente molhada” ou “meramente sacia a sede”. “Vento meramente eólico”. Você entende onde quero chegar? É de uma obviedade espírita.
Creio que seja o “meramente” que me causa espécie. Diminuir a coisa à categoria de “mera” é o que mais me desespera, chega a ser cruel com a coisa. Vou além, será que pode em uma peça que se diz publicitária uma foto ser uma “mera foto”? Se a criação é profissional, ela está ali com uma finalidade específica, clara e, diria, insubstituível. Pelo critério da Economia, nada num anúncio pode ser dispensável, supérfluo, não deve haver coisas sobrando ou inúteis. É tudo muito caro pra se deixar algo desnecessário. Tudo é muito pensado, muito bem estudado. Aquela reles fotinho representa, provavelmente, o conteúdo central do anúncio. Ela está ali para chamar a atenção, para despertar desejos, para, no mínimo, seduzir. E o pior de tudo é a dita ter de viver com este duplo complexo: de inutilidade e de inferioridade (expressada pela fonte de corpo ridículo).
Para dramatizar ainda mais meu desconforto, pergunto: por que não escrevem também “foto meramente sedutora”, ou “texto meramente persuasivo”, “endereço meramente localizador”, ou ainda, “telefone meramente para contato”? Talvez porque a publicidade tem obviedades indizíveis e bobagens consagradas pelo uso. Capitulando ao trocadilho fácil, finalizo: quimeras.




Luiz Henrique Rosa

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